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Texto 3: Árvore Araúja

Sempre pensei que seria mais sábia se tivesse bons professores, se tivesse acesso a bons livros e pensamentos. Foi-me ensinado que o conhecimento (os grandes saberes) era algo totalmente externo ao meu corpo, que, havendo instrução em mim, estaria em equivalência aos meus pares mais abastados e as pessoas brancas. Celeste, minha avó, preconizava isso para suas filhas e netas. Para minha avó o nosso dever era a equivalência, e isso pelo caminho da aquisição de conhecimentos estrangeiros aos nossos corpos. Prontamente, que cada uma de nós alcançasse esse nível, esses símbolos de aceitação – uma certa moralidade. O que a velha não sabia é que com isso, cada vez mais nos distanciaríamos de um saber imanente, além de lançar nossas histórias e saberes numa água parada. Durante muitos anos vivi com esta verdade: alcançar, sempre alcançar. Tentava ocupar espaços que nunca foram concebidos para mim e reproduzindo pensamentos que nunca me contemplavam, justamente para que houvesse a aceitação dos meus juízos. Uma verdade ofertada a nós desta forma – uma verdade que não é uma inutilidade – somente é superada quando chega a estafa, o exaure incapacitante. O vazio. Contudo, essa verdade, e mais tantas outras, não se resume as pessoas negras. É evidente que todos os seres humanos buscam, durante a vida – na maioria das condições - saberes fora de seus corpos, mas para os de pele escura superar isso é sempre um processo demasiado arrastado. Afinal, juntamente com esse processo íntimo, havemos de nos envolver também com um procedimento cirúrgico e dilacerante: o de resgatar nossas biografias de maneira substancial, e, logo, de desdobrar as redescobertas para além do âmago. Superar a verdade que me foi herdada é superar o saber de Celeste e, acima de tudo, respeitar o saber de minha avó – assim como ela fez com o saber de nossas ancestrais –, sem o qual não haveria o que exceder. Foi-me ensinado a esquecer, e, além disso, postergar a lembrança. Desta forma passei a ter saudade de alguém que nunca tinha visto. Viajando aprendi que a casa é apenas um sentimento. A saudade era a casa.

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